O que você verá na matéria:
No Dia da Cachaça, um brinde à bebida que carrega a alma do Brasil em cada dose
Dia da Cachaça, o dia 13 de setembro é mais do que uma data simbólica, é o dia em que o Brasil celebra sua bebida mais autêntica. E nesta coluna especial, o sommelier Raimundo Freire vai além da taça para mostrar que a cachaça não é apenas um destilado: é um espelho líquido da nossa identidade cultural, social, espiritual e afetiva.
De símbolo de resistência a musa de artistas, de ingrediente culinário a oferenda sagrada, a cachaça atravessa séculos de história brasileira com sabor, dor e poesia. Neste manifesto lírico e afiado, cada gole é uma página viva da nossa trajetória. Feliz Dia da Cachaça — e o Brasil que ela revela.
Cachaça: o Brasil que escorre pelo copo
Você já parou pra pensar que, ao levantar um copo de cachaça, está também erguendo séculos de história, resistência e identidade?
Não é exagero. É socioantropologia.
A cachaça não é só uma bebida. Ela é um arquivo líquido da cultura brasileira. E entender sua trajetória é como folhear um livro que mistura samba, suor, açúcar, dor e festa — tudo junto, sem censura.
Ela canta!
Está no samba de raiz, no forró pé de serra, nas modas de viola. A cachaça é musa de compositores e companheira de boêmios. “Se você pensa que cachaça é água…” — já dizia o refrão que virou hino popular. Na música, ela é alegria, desabafo e identidade.
Ela alimenta!
Na cozinha, a cachaça é alquimia. Flamba carnes, perfuma doces, dá vida a molhos. É ingrediente de receitas que carregam saberes ancestrais — da roça ao restaurante estrelado. Cada prato com cachaça é uma celebração da terra e da memória.
Ela cura!
Na medicina popular, a cachaça é xarope, garrafada, ritual. Misturada com mel, limão, ervas e fé, ela trata desde resfriado até dor de alma. Não é só química — é crença, é cuidado, é tradição.
Ela inspira!
Pintores, escultores, cineastas e poetas já beberam dela — literal ou metaforicamente. A cachaça aparece em quadros, filmes, versos e instalações como símbolo de brasilidade, contradição e beleza.
Ela sustenta!
Durante o ciclo do ouro, a cachaça era moeda. Servia de consolo aos escravizados nas minas e de lucro aos senhores. Hoje, cachaçarias com nomes como “Ciclo do Ouro” resgatam essa memória — com respeito e crítica.
Ela denuncia!
Foi produzida com mão de obra escravizada. Usada como moeda no tráfico negreiro. A cachaça carrega marcas de dor — e por isso, também é símbolo de resistência.
Ela nasce do açúcar!
Filha dos engenhos coloniais, irmã do melaço, neta da cana. A cachaça é fruto do ciclo do açúcar, da economia que moldou o Brasil. E hoje, ela volta às raízes com produtores artesanais que honram o passado.
Ela se revolta!
Em 1660, o povo se levantou contra o imposto da cachaça. Foi a Revolta da Cachaça — um dos primeiros gritos de autonomia brasileira. Hoje, ela é protegida por lei e celebrada como patrimônio cultural.
Ela escreve!
Na literatura, a cachaça é metáfora. Mário de Andrade dizia: “Meu verso é minha cachaça.” Ela aparece em contos, crônicas e romances como símbolo de introspecção, boemia e crítica social.
Ela resiste à censura!
Durante a Inquisição, a cachaça foi alvo de proibições. Considerada herética, perigosa, profana. Mas ela resistiu — como tudo que é do povo.
Ela é sagrada!
Nos terreiros de Candomblé e Umbanda, a cachaça é oferenda. É conexão com o divino, com os ancestrais, com a força invisível que nos guia. É respeito, é ritual, é fé.
Ela é o povo!
A cachaça é espelho da sociedade brasileira. Foi marginalizada, depois gourmetizada. Hoje, ela transita entre o boteco e o bar de luxo — sem perder sua essência.
E por que isso importa?
Porque entender a cachaça é entender o Brasil. É reconhecer que nossas bebidas contam histórias. É valorizar o que é nosso; com afeto, com crítica, com orgulho.
Então da próxima vez que você brindar com uma dose de cachaça, lembre-se: Você não está apenas bebendo. Você está participando de uma história que começou há séculos — e que continua sendo escrita, gota por gota.
Viva a cachaça!
Beba menos, beba melhor.
Feliz Dia da Cachaça!

Siga o Muito Gourmet no Instagram e fique por dentro de todas as novidades gastronômicas de Salvador!