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Não tem como não ter percebido. O fato é que estamos presenciando um movimento comportamental e estético inspirado na icônica boneca Barbie: o fenômeno do Barbiecore, inundando tudo e transformando as aparências com a predominância de tons de rosa, brilho e glamour.

Esse tsunami comportamental iniciado em Hollywood tem conquistado espaço também na cultura gastronômica de Salvador, trazendo o rosa para pratos como pães, molhos, doces, bebidas e até mesmo o nosso tão tradicional acarajé.

barbiecore a onda rosa
Barbiecore – Imagem: Reprodução

Neste artigo, escrito pelo nosso colunista e Professor de Hotelaria e Gastronomia, Tibério Silva, vamos explorar o impactante universo do Barbiecore, exaltando sua força como movimento cultural e estético, ao mesmo tempo em que reconhecemos a importância de respeitar as tradições e a cultura brasileira.

De fato, o impacto do filme da Barbie no cenário cultural, aliado à sua representatividade como figura feminista, trouxe à tona discussões relevantes para a sociedade, inspirando mudanças positivas.

A partir disso, a indústria da alimentação, sempre atenta às demandas do público contemporâneo, abraçou a estética rosa, adaptando-se aos desejos e preferências do momento.

Entretanto, nesse mar cor de rosa, algumas ondas acabaram se tornando polêmicas. Dois exemplos emblemáticos foram o acarajé rosa e a pamonha rosa, que geraram debates intensos sobre a preservação das tradições culinárias e a apropriação cultural.

A abordagem dessas questões, é claro, é feita com respeito e sensibilidade, mas ao mesmo tempo reconhece que o universo gastronômico é dinâmico e se reinventa constantemente.

É inegável que a tendência do Barbiecore é fascinante e tem impulsionado a criatividade nos cardápios de diversos estabelecimentos, mas sempre é fundamental ter em mente que, assim como as ondas no mar, essa moda passageira também encontrará seu momento de transformação.

A tônica da reflexão é a de que enquanto alguns pratos podem ser apenas modismos temporários, é fundamental preservar e valorizar as raízes culturais e tradições que fazem da gastronomia brasileira algo tão especial e único.

Vamos embarcar juntos nessa deliciosa jornada pelo mundo do Barbiecore e descobrir como a criatividade pode coexistir harmoniosamente com a autenticidade gastronômica.

Barbiecore – A Onda Rosa

E não é que de repente a maré rosa criou ondas de Barbiecore nos cardápios modernosos e antenados com as marolas dos modismos sociais?

E tem mais é que surfar nestas ondas mesmo!

O pão de hambúrguer ganhou tons rosas; o brioche ficou rosado e o molho rosè, que já sabia de tudo, ficou mais saturado em seu matiz.

A beterraba mergulhou na maionese. Tudo cor de rosa!

Docinhos de toda variedade receberam também sua cota rósea… e tome corante, e tome Nesquik®.

Na chocolataria o Ruby, que é uma variação do cacau que possui o rosa como sua cor natural, ganhou novas referências.

Nas bruncherias a massa Red Velvet, tortas de frutas vermelhas, calda de tutti-frutti, suspiros e macarons rosinhas estão vendendo muito.

Nas sorveterias o tradicional Milk Shake de morango, que sempre foi rosa, com maior incentivo na pigmentação, se deu bem… e tome corante.

Até mesmo a questionável pipoca com caramelo e groselha está merecendo olhares mais simpáticos. Já falei sobre corante aqui?

O Guaraná Jesus, profeticamente sempre foi cor-de-rosa e achou mais espaço na coquetelaria por conta do Barbiecore. E quem não dava muita atenção ao Pink Lemonade acabou encontrando contexto para experimentá-lo.

Sim, o recém lançado filme da Barbie deflagrou um hype que há muito tempo não se via. A onda rosa transformou-se em um tsunami comportamental interessantíssimo de observar.

A força do filme “Barbie” como uma obra feminista e relevante, é amplificada pelo alcance e longevidade da personagem-título na cultura pop.

Isso permite que suas mensagens alcancem um público mais amplo, trazendo discussões importantes para a sociedade e potencialmente inspirando mudanças positivas.

O Barbiecore é um movimento cultural e estético inspirado na icônica boneca Barbie, caracterizado pela predominância de tons de rosa, elementos de brilho, glamour e uma estética geralmente associada ao universo feminino (FISCHER, 2020).

A indústria da alimentação frequentemente se mostra sensível às mudanças culturais e tendências sociais, buscando adaptar-se para atender aos desejos e preferências do público contemporâneo. Nesse sentido, a adoção da estética Barbiecore nos cardápios reflete o engajamento dos estabelecimentos em acompanhar as demandas do mercado e atrair uma clientela interessada em vivenciar experiências gastronômicas que estejam em consonância com as tendências atuais (JONES et al., 2022).

Dessa forma, em paralelo às questões sociais, a gastronomia encontrou na estética rosa da Barbie um momento especial para diversificar seus cardápios, divertir e atender seus clientes, cutucar a criatividade e claro aumentar suas vendas.

Quando se fala em cardápio criativo estamos também entrando na flexibilidade que algumas Casas têm em aproveitar estes picos de oportunidades e atender as demandas de curtíssimo prazo sem perder sua identidade própria.

Cardápios criativos sabem muito bem se comunicar com as pessoas em todos os momentos!

Então se existe uma bolha de consumo que está no rosa, sim o pão e a maionese rosa, o shake e a torta cor de rosa são muito bem-vindos. O momento é agora!

Daqui há alguns meses essas fichas técnicas da cozinha vão para o arquivo do Chef e a Barbie continuará icônica.

Bem, tudo ia dando certo para aqueles que perceberam a chegada da onda rosa e prepararam suas cozinhas para o efeito Barbie… até que…

Até que alguém mexeu em panelas perigosas.

Vou citar dois exemplos em que a trend acabou virando treta:

O acarajé rosa e a pamonha rosa.

Isso deu e está dando o que falar.

De fato, a tradição e a cultura, desempenham um papel crucial na gastronomia brasileira e podem gerar polêmicas quando alterações pontuais e efêmeras (no caso o Barbiecore) são aplicadas a pratos emblemáticos como a pamonha e o acarajé. Ambos os pratos são considerados ícones da culinária brasileira e carregam uma significativa carga histórica, cultural e religiosa.

A introdução de modismos efêmeros, como o “efeito Barbie”, pode ser percebida como uma interferência desrespeitosa ou superficial na rica tradição culinária do país. Nesses casos, há um risco de descaracterização dos pratos e até de apropriação cultural, o que pode despertar críticas e resistência por parte daqueles que se preocupam com a salvaguarda da autenticidade gastronômica.

Neste contexto a “Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares (Abam)” se manifestou contrária à alteração do quitute tradicional na Bahia, no pleno desempenho das suas funções.

Em postagem em sua rede social a ABAM ressaltou que “o ACARAJÉ possui especificidades invioláveis e segue preservado como Patrimônio Cultural Imaterial e salvaguardado por nós, logo, é inegociável que suas características sejam alteradas”. Muito pertinente a posição da Associação.

A discussão ganha contornos mais robustos se ampliarmos as análises entrando no campo das “comidas votivas” e as contextualizações religiosas que transferem, ritualisticamente, aos alimentos as qualidades de serem “comida de santo”.

Por outro lado, o bolinho “não associado” de feijão de massa rosa é um excelente exemplo de marketing de oportunidade que em breve perderá a validade e as incríveis Baianas de Acarajé continuarão lindas e maravilhosas pelas ruas da Bahia.

No caso da pamonha rosa a reação não foi institucional, mas com semelhantes argumentos culturais válidos. Afinal pamonha tradicional de milho é amarela e pronto!

Mas, se já existe por aí uma variedade imensa de pamonha não tradicional de diversos recheios e não houve muita reclamação, criar caso agora pela bolha momentânea de colorir a massa não faz muito sentido.

Mas não nos preocupemos. Não foram todas as pamonhas do mundo que ficaram rosa, daqui a pouquinho ela volta a ser amarela de novo e tudo bem.

Enfim desejo a todos que estão aventurando seus cardápios no Barbiecore, que faturem bastante e agradeçam por ser a Barbie, porque se fosse a Smurfette seria muito mais difícil vender comida azul.

Referências

FISCHER, A. The Rise of Barbiecore Aesthetic: Understanding and Interpreting the Feminine in Post-Internet Culture. In: Journal of Contemporary Aesthetics, v. 8, 2020.

JONES, D. et al. Gastronomy and Social Change: Exploring the Intersection of Food Trends and Cultural Movements. In: Journal of Food and Society, v. 20, n. 4, 2022.

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Professor Tibério Alfredo Silva

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