No mais recente artigo do renomado Professor Tibério Silva, em sua coluna para o Muito Gourmet, somos convidados a explorar reflexões sobre a Moqueca.
Com uma abordagem instigante, o Professor destaca que a Moqueca vai além de uma receita só, sendo uma forma de preparo associada a uma apresentação que traz consigo toda a brasilidade à mesa.
A culinária brasileira é rica em sabores e tradições, e a Moqueca é mais uma expressão dessa diversidade, refletindo a influência indígena, africana e dos colonizadores.
Então vamos começar respondendo o seguinte questionamento:
Moqueca de Porco, pode?
Moqueca de porco pode? Pode e pode com força!
Moqueca é um modo de preparo associado à uma forma de apresentação, longe de ser uma receita única de ingredientes específicos.
É pura brasilidade à mesa.
É mais uma riqueza da culinária brasileira com todos os traços da tríade que compõe a nossa formação cultural.
Meus amigos capixabas vão ficar chateados comigo agora, mas é fácil encontrarmos nos restaurantes das praias de Anchieta, Guarapari, Marataízes, Vila Velha, Conceição da Barra a propaganda “Moqueca é a capixaba, o resto é peixada”.
A frase cheia de ufanismo e autoestima valorizada, tem seu toque de humor e funciona excelentemente bem para atrair incautos turistas.
Qualificar de “peixada” a moqueca baiana e a moqueca paraense é um desserviço à história da gastronomia brasileira.
Isso porque as moquecas são muitas.
Claro que a história e a tradição nos remetem à ideia da moqueca de peixe, à beira mar.
Mas não é uma bizarrice falar em moqueca mineira com carne suína, ou um preparo com carne de sol ou de aves; até moqueca vegana é possível com o uso de palmitos, bananas e cogumelos.
Alguns dos nossos leitores podem estar questionando: isso não seriam releituras da moqueca de peixe não?
Não, de forma alguma! Volto a repetir, moqueca é um tipo de preparo e não uma receita de um prato enclausurado em uma ficha técnica amarrada em peixes.
Uma das bases das moquecas vem do preparo indígena POKEKA, comum nas etnias Tupi e Guarani. Este preparo consiste em cozinhar o peixe enrolado em folhas. Cozimento lento no próprio suco do peixe inteiro ou em grandes postas.
O encontro das pokekas indígenas com as técnicas de ensopados de legumes dos colonizadores começam a dar o formato da nossa atual moqueca.
Os escravizados contribuíram com a sofisticação do prato introduzindo novos sabores através do uso azeite de dendê, pimenta malagueta e o leite de coco, por exemplo.
Diga-se, de passagem, que a picância é sempre muito característica dos preparos de moquecas. Claro, sempre com o bom senso culinário para não transformar a magia das pimentas em dor e tormento, destruindo os marcantes de sabores que uma boa moqueca tem a oferecer às nossas experiências gustativas.
Da cultura africana também encontramos uma referência etimológica no termo quimbundo “mu’keka” que significa caldo de peixe.
As moquecas são então um ensopado de legumes e grandes pedaços de carne e temperos diversos, coccionadas lentamente, obtendo um caldo encorpado e aromático.
O caldo encorpado, rico de sabores e aromas, embora tenha certa rustiquez, demanda domínio de cozinha apurado: saber preparar um bom caldo com técnicas de redução controlada, exige um bom grau de maturidade do cozinheiro.
Na sua elaboração, o uso de panelas de barro ou de pedra é comum entre todos os tipos de moquecas exatamente pela necessidade do cozimento lento. Frente ao comensal, a mise en place com cumbucas dos mesmos materiais dão o charme rústico e fumegante à iguaria.
E cada um que defenda a sua!
A moqueca baiana carrega uma influência africana. Tradicionalmente, é uma moqueca de peixe cozido em azeite de dendê e leite de coco. Camarões e outros frutos do mar, pimentão, pimenta malagueta e coentro dão característica ao prato.
A moqueca capixaba, protege o legado indígena e português. É mais suave que a moqueca baiana, com maior ênfase nos sabores do peixe e frutos do mar. Na receita tradicional, urucum e azeite de oliva fazem a diferença.
A moqueca paraense é a expressão dos sabores do Norte. Peixes amazônicos, o uso do tucupi, goma de mandioca e jambu dão trilhas de sabores únicos e surpreendentes.
Há de se destacar que a moqueca paraense alavancou sua popularidade e visibilidade a partir do intenso trabalho do Chef Thiago Castanho @thiagocastanho nos últimos anos, tanto no seu restaurante quanto nos programas de televisão.
E a moqueca subiu as montanhas e na minha Minas Gerais abraçou a culinária de tropeiro; colocou a carne e o suã de porco, a charcutaria e os defumados na panela de barro das moquecas.
Tem moqueca de peixe aí em Minas Professor?
Tem UAI! Peixe aqui não falta sô. Pode escolher: cascudo, piau, dourado, pintado… um monte!
Então aproveitem a versatilidade e a brasilidade das moquecas.
E seja exigente quanto aquilo que lhe servem ao prato: moqueca não é sopa, não é caldo ralo, não é aguada nem delicada. Moqueca tem expressão, corpo e sabores marcantes.
O grande desafio da moqueca perfeita é o domínio dos tempos de cocção de cada ingrediente para que no fim do preparo as texturas estejam em harmonia para não transformar esse magnífico prato em uma sopa monótona e triste de sabor.
Ah! E não se esqueça dos acompanhamentos, se estiver no litoral o pirão é indispensável, fundamental e obrigatório; se estiver em Minas não abra mão da farofa de banana com bacon.
Arroz branco acompanha, mas eu dispenso!
Nas taças, como referência, Chardonnays na baiana; Tempranillos ou Syrahs na capixaba; rosés encorpados para ambas. A trilha de harmonização é ter um vinho potente de aromas, muito frutado, jovem e de textura macia, mas robusto o suficiente para aguentar o tranco das moquecas.
Prefere cervejas? Eu iria de IPA, se bem que uma Stout é perfeita para a ocasião. Está de mineiridades? Uma cachacinha Ouro vai lhe ajudar a decidir.
Então que venham as moquecas, das mais diversas, plenas de regionalismos, com identidades próprias que representam a diversidade e pluralidades dos sabores do Brasil.
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