Deleite-se com a crônica saborosa do Professor Tibério Alfredo Silva sobre o filme ‘O Menu’ e o chef Slowik: aprecie a audaciosa trama gastronômica de sucesso da Star+.

Nessa crônica sobre O Menu, filme exibido pela streamer Star+, o Professor de gastronomia e hotelaria Tibério Alfredo Silva nos convida à sua reflexão sobre o longa metragem e seu protagonista, o gélido chef Slowik (Ralph Fiennes).

Essa é uma ocasião de celebração, pois é com essa crônica estreante que, com grande satisfação, recebemos o Professor Tibério como colaborador do Muito Gourmet. Com vasta experiência na área gastronômica e uma paixão inabalável pela culinária, o Professor alimentará nossas mentes, a partir de agora, compartilhando seus pensamentos, reflexões e um pouco da história da gastronomia.

O seu primeiro texto para o Muito Gourmet é uma intervenção com muitas reflexões e aprendizados. De fato, é um privilégio e um prazer tê-lo conosco para compartilhar seus conhecimentos com os nossos leitores.

Sinopse do filme O Menu

O filme O Menu conta a história de Margot (Anya Taylor-Joy), uma jovem convidada por Tyler (Nicholas Hoult) para jantar em um restaurante famoso e exclusivo, liderado pelo chef Slowik (Ralph Fiennes) em uma ilha distante.

Lá, eles encontram outros convidados especiais, como um astro de cinema, operadores do mercado financeiro, uma crítica gastronômica e um casal milionário. O que era para ser uma noite agradável com comida especial e bons drinks, torna-se um pesadelo quando surpresas chocantes são reveladas.

Review do Filme O Menu
Cenas do Filme O Menu – Foto: Reprodução

Depois desse petisco de introdução, vamos à crônica:

Chef Slowik

Fui conhecer o trabalho do Chef Slowik, Julian Slowik do restaurante Hawthorn.

Já no receptivo percebi algo de diferente na Casa:

“- Estejam à vontade para observar os cozinheiros a inovar.

Mas, por favor, não fotografem os nossos pratos.

O Chef crê firmemente que a beleza das suas criações reside na sua natureza efêmera”.

Disse a fleumática Elsa, uma mistura indecifrável de hostess e maitre.

Ela foi enfática em proibir o uso dos celulares durante o Menu Degustação.

Por mim tudo bem, mas percebi que muita gente do grupo ficou desconfortável com a regra.

Eu não sei se por acanhamento ou preocupação em não atrapalhar a equipe de compenetrados cozinheiros no serviço, mas ninguém se aproximou da cozinha aquário.

Havia um certo constrangimento no ar, um silêncio incômodo entre os convidados.

Ou será que era impressão minha?

Será que a expectativa de conhecer o Chef Slowik, sempre cercado de muito mistério, ou a falta do celular nas mãos deixou todos calados?

Creio que o silêncio que vinha da cozinha contribuiu para a inibição geral. Não se ouvia uma única conversa sequer entre os cozinheiros, apenas os sons vindos das panelas.

A situação durou pouco no relógio, mas pareceu uma eternidade na alma.

Do fundo da cozinha, surge o Chef. Passos lentos, olhar de scanner, pausa dramática e se apresenta:

“- Sou o Chef Julian Slowik e esta noite teremos o prazer de lhes alimentar.

Durante as próximas horas vocês vão ingerir gordura, sal, açúcar, proteína, bactérias, fungos, várias plantas e animais e, por vezes, ecossistemas inteiros.

Mas tenho que lhes pedir uma coisa. Só uma.

Não comam.

Provem.

Saboreiem.

Apreciem.

Atentem a cada pedaço de comida que põem na boca.

Sejam conscienciosos.

Mas não comam.

O nosso Menu é precioso demais para isso.

E olhem à sua volta.

Aceitem. Aceitem tudo”.

A postura carismática do Chef me fez obedecer e olhei à minha volta.

Pensei que era para observar aquele ambiente minimalista, elegante na medida certa, revelando um bom gosto sem ostentação.

Não encontrei os defectíveis espaços instagramáveis, uma atitude muito inteligente e coerente com a proposta do Hawthorn.

Mas quanta ingenuidade a minha. Que pensamento óbvio. E logo me toquei que o que estava à minha volta eram as pessoas; era a isso que o Chef se referia.

Não conhecia o grupo, aparentemente muito eclético.

Fiz cara de “bons amigos”, mas não deu muito certo não; três ou quatro trocas de olhares simpáticos e só.

Por um lado, foi bom, pois pude assim me concentrar no Amuse Bouche que acabara de chegar.

Interessante: não havia garçons. Os próprios enigmáticos cozinheiros traziam as suas criações.

Pepino-melão comprimido em vinagre, neve de leite e renda chamuscada.

Levei meu primeiro tapa: não sabia nem por onde começar a degustar a criação.

Usei a tuile de algas para capturar as esferas de pepino e um pouco da neve translúcida.

Senti o olhar do Chef Slowik me fulminando de longe.

E rapidinho chegou o Couvert.

Em diferenciada porcelana branca, vieram 5 ramequins com molho rico, molho emulsionado, molho quente, molho frio e molho geleificado.

E ele, mais uma vez, se pronunciou:

“- O pão existe sob várias formas há mais de 12.000 anos.

Especialmente entre os pobres.

Farinha e água.

O que pode ser mais simples?

E como Jesus nos ensinou a orar?

Foi implorando o pão nosso de cada dia.

Ainda hoje, os cereais representam 65% de toda agricultura.

Os gregos antigos mergulhavam o pão seco em vinho ao desjejum.

O pão: o alimento do homem comum.

Mas vocês, meus caros clientes, não são o homem comum.

E por isso, esta noite, não terão pão!

Nosso couvert será o “prato de pão sem pão e os acompanhamentos salgados.

Neste espírito, por favor, apreciem os acompanhamentos desacompanhados.

O pão que não vão comer hoje foi feito com um trigo ancestral da Ucrânia Ocidental chamado Red Fife, produzido por nossos parceiros do Projeto Cerealístico de Tehachapi 1 dedicado à conservação de cereais tradicionais”.

A fala do Chef foi contundente, quase em tom de ameaça.

Desta vez, o silêncio no salão foi levemente quebrado por murmúrios de insatisfação e aquele barulhinho característico de quando se ajeita o corpo na cadeira demostrando desconforto.

Como vou comer, “ops” desculpa Chef, como vou apreciar isso? Será que é com as pontas dos dedos? Pensei, mas não tive coragem de me pronunciar.

E o segundo tapa eu recebi agora:

Na mesa próxima, bem em frente à minha, a jovem blogueira (sei disso, porque ela já havia divulgado no Foyer ser uma digital influencer gastronômica) fez um delicado aceno para a maitre Elsa.

Deu para ouvir claramente a moça:

“- Eu entendo o conceito do prato, mas eu gostaria de uma cestinha de pães, pode ser um pão italiano, mesmo. ”

E o contato veio na fala pausada da Maitre:

“- Você vai comer menos do que deseja e mais do que merece”.

Algo de muito estranho e sinistro estava por acontecer neste jantar.

Quem assistiu percebeu que eu estou falando de “O Menu” dirigido por Mark Mylod.

Um filme de suspense ambientado em um restaurante, que usa da gastronomia para desenvolver a trama e construir inteligentes críticas de temas complexos, como pretensão, vaidade, reconhecimento, distinções sociais e obsessão.

O Menu é um ótimo filme gastronômico no qual o prato principal não é a refeição, mas ela é a régua que mede o caos da história.

Nas mesas do Hawthorn está a “pretensão” na figura da crítica de gastronomia, para quem nenhum prato está bem realizado, nada é satisfatório e, o que é bom, poderia ser melhor.

Fazendo coro com a pretensão, soma-se a presença do Editor de Revista, igualmente presunçoso, sempre pronto a oferecer concordâncias para assanhar as críticas ferinas.

A “vaidade” é escancarada nos clientes que se exibem em determinados restaurantes pelo status, apenas por aparência e pela necessidade insana de mostrar que os “frequentam”.

Estes então, até agora, procuram desconsolados o espaço instagramável que não existe no Hawthorn.

O “reconhecimento” é questionado nas relações entre os cozinheiros e os clientes que não conseguem valorizar os serviços de hospitalidade.

A necessidade de “reconhecimento” também vem do comensal que quer mostrar seus conhecimentos gastronômicos a cada prato que chega à mesa. Suplicando um pouco de elogio ou a atenção do Chef.

Traz à lembrança aqueles clientes que necessariamente querem abrir um debate com o sommelier a respeito do vinho escolhido, principalmente se tiverem uma plateia para ouvir as suas “enofilias”.

Interessante que este é o primeiro a angariar, de nós espectadores, a antipatia pelo personagem.

Migas de humor refinado ficam por conta do sommelier e sua peculiar forma de apresentar os vinhos harmonizados com o Menu Degustação do Hawthorn.

O chef Slowik (Ralph Fiennes) personifica a “obsessão” pela perfeição e a frustração pela profissão, na medida em que ele declara ter se enganado tentando satisfazer pessoas impossíveis de satisfazer, por não entenderem o nível do seu trabalho.

As “distinções sociais” aparecem sob várias formas, mas ela se torna palpável no cheeseburger da personagem Margot, interpretada pela magnífica Anya Taylor-Joy.

O mesmo sanduíche vai cutucar memórias afetivas do Chef Slowik e potencializar as suas frustrações para o desfecho da trama.

Confesso que demorei um pouco para me animar em assistir “O Menu” que foi lançado no final do ano passado 2022, por achar que seria um arremedo de “Jogos Mortais”.

Foi aí que eu recebi o meu terceiro tapa. O filme é realmente muito bom, tem um roteiro intrigante e um suspense que nos segura do couvert à sobremesa.

Em tempo: estudantes de Gastronomia, “O Menu” rende um excelente TCC. Fica a dica e me chamem para a sua Banca de Avaliação.

O longa está disponível na Plataforma de streaming STAR+.

1 O objetivo do Tehachapi Heritage Grain Project (Califórnia) é preservar e cultivar grãos orgânicos tradicionais que são naturalmente tolerantes à seca e com baixo teor de glúten.

por tiberio

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