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No fim de semana do Dia dos Pais, Carol Souzah brinda a histórias que mostram como herança e autenticidade podem caminhar juntas. Em vez de peso, o legado se torna impulso criativo para Matías Riccitelli e Filipa Pato, herdeiros de nomes consagrados que escolheram seguir o próprio compasso.
Na nova coluna do Muito Gourmet, tradição e inovação se encontram na taça para lembrar que vínculos, como grandes vinhos, ganham profundidade com o tempo e liberdade para florescer.

Entre pais e filhos: como Matías Riccitelli e Filipa Pato reescrevem o legado do vinho com inovação e liberdade
De vez em quando, me pego pensando nessas profissões que passam de pai para filho. À primeira vista, pode parecer uma herança bonita, mas às vezes é um peso invisível. Aquele silêncio entre expectativas e amor que pressiona o coração. Filhos que se sentem impelidos a seguir um caminho que talvez não escolheriam. Mas há exceções sublimes, onde o vinho é paixão e liberdade, e o legado se torna impulso para criar.
Foi o que aconteceu com Matías Riccitelli, filho do lendário enólogo da vinícola Norton, Jorge Riccitelli, eleito Enólogo do Ano pela Wine Enthusiast. Matías jamais foi apenas “o filho de”. Montou sua própria vinícola, a Riccitelli Wines, em Mendoza, apostando em vinhos orgânicos, naturais e sustentáveis, desde a colheita manual até as fermentações em ovos de concreto, ânforas e foudres, com leveduras nativas e mínima intervenção. Essa busca por autenticidade, por vinhos que traduzem com pureza o terroir, é algo que admiro profundamente e que me aproxima do seu trabalho.
E os reconhecimentos vieram: em 2012, Matías foi eleito Melhor Enólogo do Ano pela Wine Enthusiast e, em 2021, o guia Descorchados o consagrou novamente como Enólogo do Ano. Seus vinhos, vibrantes e atléticos, como o Old Vines from Patagonia Semillón, já conquistaram notas acima de 95 pontos de críticos como Robert Parker, James Suckling e Descorchados. Para mim, eles representam a prova viva de que é possível unir excelência e respeito à natureza.
Do outro lado do oceano, outra história que me inspira é a de Filipa Pato, filha de Luís Pato, um dos mais respeitados produtores de Portugal e verdadeiro ícone da Bairrada. Filipa trabalha com vinhos orgânicos e biodinâmicos, com certificação Demeter, e não usa herbicidas desde 2009. Sua filosofia é criar vinhos autênticos, sem maquiagem, que reflitam a identidade, o solo e a alma da região. E o que eles fazem é exatamente isso: preservar o caráter da uva, respeitar o ciclo natural da vinha e traduzir, na taça, a verdade do solo e do clima da Bairrada.
Esse compromisso com a mínima intervenção e a máxima expressão do terroir é algo que me encanta e que, para mim, traduz a essência do que é um vinho com alma.
Filipa foi eleita Enóloga do Ano 2020 pela Revista de Vinhos em Portugal, sendo a primeira mulher da Bairrada a receber essa honra. Um dos seus vinhos, o Nossa Calcário Tinto 2015, foi o primeiro da região a receber 96 pontos de Robert Parker e entrou no Top 100 da Wine Spectator em 2021. Seus rótulos carregam uma elegância serena e uma precisão que me fazem voltar a eles sempre que quero me lembrar de como o vinho pode ser pura expressão do terroir.
Eu, que sou apaixonada por vinhos sustentáveis e cheios de verdade, fico maravilhada quando vejo essa união entre tradição e inovação, entre respeito e liberdade, traduzida em cada taça. São vinhos que falam de gente, lugar e escolha.
Mas o mais inspirador nessas trajetórias é perceber que, quando há amor e espaço para a criatividade, o legado deixa de ser armadilha e se transforma em força. O vinho mostra isso de forma cristalina: o tipo de solo pode ser o mesmo, o clima pode ser o mesmo, as mãos podem ser as mesmas, mas cada safra é única.
Neste Dia dos Pais, meu brinde vai para quem avança com coragem: não apenas de seguir o caminho traçado, mas de fazê-lo com autenticidade, honrando o passado e reinventando o futuro. Que encontrem, como Matías e Filipa, exemplos para ouvir, criar e expressar com alma o que sonham.
Porque vínculos, assim como os grandes vinhos, não se sustentam na repetição, mas na profundidade, na emoção e na verdade. Com alma.

Sobre Linha Editorial e a Carol Souzah
Carol Souzah é sommelière, jornalista e nova colunista do Muito Gourmet.
A sommelière abordará inovações no mundo dos vinhos, curiosidades, harmonizações, aspectos socioeconômicos, sustentabilidade, ética na produção e muitas dicas.
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