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Do alambique à história: o movimento que quer consagrar a cachaça como símbolo nacional
A cachaça de alambique, um dos produtos mais autênticos e simbólicos da identidade brasileira, está prestes a conquistar o reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
O movimento ganhou força durante a segunda edição do Festival da Cachaça de Brasília, onde produtores, estudiosos, entidades representativas e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deram início formal à articulação nacional em torno desse objetivo histórico.
Esse reconhecimento tem peso simbólico profundo: não se trata apenas de valorizar uma bebida, mas de resgatar um legado enraizado na história, no sabor e na alma do povo brasileiro.

Uma criação brasileira, ainda injustamente subestimada
A cachaça é o primeiro destilado das Américas e nasceu aqui, no Brasil, no século XVI. Feita a partir da cana-de-açúcar e destilada em alambiques com técnica e tradição centenárias, ela é, até hoje, 100% brasileira. No entanto, sua trajetória foi marcada por preconceito e invisibilização. Enquanto vinhos e destilados estrangeiros foram elevados ao status de sofisticação, a cachaça foi marginalizada, associada a estigmas e estereótipos equivocados.
Esse desprestígio cultural impacta diretamente a economia de milhares de pequenos produtores artesanais, que mantêm vivo o conhecimento ancestral em mais de 4 mil rótulos registrados no país. O reconhecimento oficial como patrimônio é um passo decisivo para mudar essa narrativa e transformar a forma como o Brasil se enxerga através da sua cultura líquida.
Raimundo Freire, a voz da memória
Entre os protagonistas dessa jornada, está o colunista do Muito Gourmet, Raimundo Freire, que é pesquisador, contador de histórias e referência nacional quando o assunto é cachaça baiana.
Há mais de 12 anos, Raimundo investiga e documenta as trajetórias de alambiques, mestres produtores e marcas que carregam o DNA da cultura popular. Agora, ele se torna também agente do futuro dessa tradição.
Integrante ativo do grupo de trabalho que formalizará o pedido ao Iphan, Raimundo representa a Bahia e contribui com sua expertise histórica e cultural para consolidar o dossiê de registro. Sua atuação reforça que a cachaça não é apenas tema de pesquisa, é missão de vida, e sua valorização é também um ato de resistência cultural.
O caminho para o reconhecimento oficial
Segundo Leandro Grass, presidente do Iphan, o processo começou com o mapeamento das práticas artesanais em todo o país. A próxima etapa envolve a sistematização desse conhecimento e a formalização do pedido de registro.
O modelo de inspiração vem da bem-sucedida experiência com o queijo artesanal mineiro, já reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial. A lógica é a mesma: proteger o saber tradicional, gerar políticas de valorização e integrar economia, cultura e identidade de forma estruturada.
Um país dentro de uma garrafa
O Festival da Cachaça de Brasília revelou o tamanho e a diversidade do setor. Foram 96 expositores de 18 estados, mais de 600 rótulos apresentados. A Bahia, em destaque, esteve representada por marcas renomadas como Caraguataí, Cambuí, Rio do Engenho, Paramirim, Poço da Pedra, Arapuá, Matriarca e Piripá.
Cada uma delas expressa um território, um sotaque, uma história. E é justamente essa pluralidade regional que o reconhecimento oficial busca proteger: não se trata de uma bebida, mas de um ecossistema cultural que une tradição, inovação e identidade.
Cachaça é memória, orgulho e futuro
Edilane Oliveira, diretora do Instituto Brasileiro de Integração (IBI), sintetizou bem o espírito do movimento ao declarar:
“Hoje brindamos não apenas uma bebida, mas um verdadeiro patrimônio brasileiro. A cachaça é parte viva da nossa história.”
Esse reconhecimento é um gesto de reparação simbólica, mas também uma aposta estratégica no futuro. Ele projeta a cachaça como vetor de turismo cultural, geração de renda local, estímulo à produção artesanal e resgate do orgulho nacional.
Ao valorizar a cachaça, o Brasil não está apenas protegendo um produto, está afirmando sua própria identidade.
Muito Gourmet acompanha e apoia este movimento, por uma gastronomia que honra suas raízes e celebra sua autenticidade.