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Adeus à flute: quando a taça deixa de servir ao vinho

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Todo mundo já brindou com uma flute. Alta, fina, elegante… Um símbolo máximo de celebrações.

Mas se ela é bonita para a foto, será que realmente valoriza o vinho? Essa é a provocação da sommelière Carol Souzah na nova coluna para o Muito Gourmet.

Do Champagne maduro ao Pet Nat vibrante, Carol mostra por que a flute não dá conta da complexidade dos espumantes e revela como sommeliers e consultores vêm substituindo tradição por taças que libertam aromas, texturas e experiências.

Um convite a repensar a taça que escolhemos na hora de brindar.


O declínio da taça flute: por que ela não faz mais sentido no mundo do vinho

Sempre chega a hora de encarar a verdade: a taça flute é mais estética que funcional. Resistiu como símbolo de celebração, alta, fina, elegante, sempre presente nos brindes de réveillon. Mas ícones também envelhecem.

O que a flute entrega é puro espetáculo visual: bolhas alinhadas, subindo em fila, um encanto para os olhos. Mas e o que realmente importa? Os aromas, as camadas, a complexidade que um bom espumante guarda. E é nesse ponto que a flute falha. Seu formato estreito sufoca o vinho, impede a oxigenação mínima e bloqueia a expansão aromática. Beber um Champagne maduro nela é como tentar ouvir uma orquestra inteira através de um canudinho.

Sommeliers do mundo todo já decretaram: a flute é um equívoco técnico. A evolução da enologia nos mostra que grandes espumantes não são só borbulhas festivas, são vinhos complexos, que exigem respeito. Um Champagne Blanc de Blancs com anos sobre as borras, um Cava de longa guarda… nenhum deles cabe dentro de uma pequena flute. E se ampliarmos ainda mais o olhar para os vinhos naturais, pensemos nos Pet Nats: vivos, pulsantes, cheios de personalidade. Servi-los em flute é limitar sua espontaneidade, é como querer enquadrar um rio em uma garrafa.

A tendência atual é clara: substituir a flute por taças maiores, tipo tulipa ou até mesmo Bordeaux, que permitem a abertura dos aromas e a experiência completa. Porque vinho não é objeto decorativo, não é acessório de foto em festa. Reduzir isso a um filete de vidro com bolhas é abrir mão da essência do vinho.

Tenho vivido essa conversa intensamente aqui em Salvador, seja em degustações ou aulas, na criação de cartas de vinho e nas consultorias que venho fazendo em restaurantes. O tema da flute sempre surge: será que o cliente aceita outra taça? É preciso ter flute? A resposta é sempre um desafio. Porque, por mais que nós, profissionais, saibamos que a flute está em desuso, a maioria dos consumidores ainda vê nessa taça um ícone de elegância, o símbolo máximo do momento de brindar.

Lembro que na época do meu bar de vinhos, esse era um desafio diário. Explicar ao cliente que o espumante ficaria melhor em uma taça de vinho branco ou até mesmo em uma taça Bordeaux era uma tarefa de paciência, mas que valia a pena. Preferia entregar a ele uma experiência mais ampla de aromas, de textura, de presença em boca, do que manter a tradição de um objeto que não fazia jus ao vinho. E acredite: bastava provar para que o cliente entendesse na prática.

Esse é o ponto: não se trata de desdenhar do público, mas de educar o olhar e o paladar. A flute tem sua história, seu lugar na memória afetiva das celebrações, e não podemos ignorar isso. Mas como sommeliers e consultores, nosso papel é justamente informar que o vinho pode ser muito mais quando servido em uma taça adequada.

Se queremos falar sério sobre vinho, precisamos dizer sem medo: a flute já não é suficiente. O futuro dos espumantes, dos clássicos envelhecidos aos Pet Nats descomplicados e vibrantes, está nas taças que libertam e ampliam a experiência. Persistir nela é insistir em reduzir o vinho a um acessório de brinde.

Essa é a encruzilhada: equilibrar a tradição cultural com a evolução da degustação. Mas é nesse embate que o vinho ganha força, e nós também.

flute orquestra
“Beber um Champagne maduro nela é como tentar ouvir uma orquestra inteira através de um canudinho”

Carol Souzah sommèliere e jornalista

Sobre Linha Editorial e a Carol Souzah

Carol Souzah é sommelière, jornalista e nova colunista do Muito Gourmet.

A sommelière abordará inovações no mundo dos vinhos, curiosidades, harmonizações, aspectos socioeconômicos, sustentabilidade, ética na produção e muitas dicas.


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