O que você verá na matéria:
Neurovinho? Há quem pense no vinho apenas como sabor. Mas e se ele também tivesse ritmo? E se beber fosse, no fundo, um ato de escuta?
Na nova coluna do Muito Gourmet, a sommelière Carol Souzah propõe um mergulho sensorial onde taças e trilhas sonoras se entrelaçam. Amparada por estudos da neurociência e por suas experiências pessoais, ela mostra como música e vinho compartilham mais do que prazer: compartilham presença.
Do jazz sutil ao metal visceral, passando pelas memórias que um som pode despertar no paladar, Carol nos convida a escutar com mais atenção aquilo que bebemos. Porque, afinal, degustar também é ouvir.

Neurovinho: como som e paladar se encontram na taça
Eu bebo melhor quando ouço música. Talvez porque o vinho, assim como a música, precise de tempo e de escuta. Precise de silêncio em volta, de espaço entre os gestos, de um compasso que permita à sensação se desdobrar. Ambos pedem pausa e presença e, talvez seja isso que os torne tão irmãos.
Ambos me ensinam sobre ritmo, sobre intensidade e sobre como o que realmente importa acontece quando a gente presta atenção. Já reparou como uma música pode mudar o sabor do que você bebe? E não é só impressão: diversos estudos vêm mostrando que o ambiente sonoro interfere diretamente na forma como percebemos um vinho.
Em 2008, o pesquisador Charles Spence, da Universidade de Oxford, conduziu experimentos que comprovaram: músicas com sons graves e intensos realçam os taninos e o amargor dos tintos, enquanto músicas leves e com notas agudas tendem a acentuar doçura e frescor, especialmente em vinhos brancos ou espumantes. Ou seja: a trilha sonora da taça pode alterar nossa percepção do paladar.
Mas para além da ciência, tem algo profundamente sensível nisso tudo. Eu, por exemplo, amo beber vinho ouvindo jazz. Jazz tem silêncio, tem improviso, tem entrega. Assim como um bom vinho, que respira e se transforma na taça.
Tem noites em que um tinto ganha outra textura quando toca “Tangerine” com Chet Baker. Em outras, o vinho é uma surpresa dentro de uma surpresa, como na canção “Speak Low” cantada por Billie Holiday. É uma troca sensorial: enquanto a música mexe com o clima, o vinho responde no corpo. Um realça o outro e juntos, transformam a experiência.
E se vinho e música são experiências íntimas, também se revelam nas trocas. Tenho amigos que vivem isso comigo de jeitos muito próprios. Com Beca, que também é cantora, o vinho costuma vir acompanhado de bossa, jazz e, de vez em quando, da voz dela, que é um presente à parte. Ficamos por horas.
Guadalupe tem gosto refinado e audacioso: vai do jazz ao metal sem perder a taça, e transforma qualquer garrafa numa experiência inesperada. Ela sabe harmonizar uma taça com uma guitarra pesada como poucos. Marinho, por sua vez, é do tipo que abre uma garrafa, coloca uma boa MPB pra tocar e logo viajamos entre poemas de Adélia Prado ou paisagens de João Pessoa. Com ele, as conversas viram trilhas: trocamos músicas, versos e goles com a mesma leveza.
É nesses encontros que percebo como vinho e som se atravessam, se ampliam, e fazem da memória um lugar mais cheio de sentido.
Beber vinho é mesmo uma experiência multissensorial; o som, o olhar, o toque, o cheiro, os gostos, tudo se mistura para formar memória.
Você também já reparou que o vinho envolve muito mais que o paladar? Dos cinco sentidos, ele desperta todos e é isso que o torna tão marcante. O olfato reconhece aromas que nos remetem a lembranças afetivas, o tato percebe temperatura, textura, peso da taça. O som do vinho sendo servido ou da rolha saindo já nos prepara para o momento. Mesmo a visão importa: a luz do ambiente, a cor do vinho no copo, o rótulo, o brilho. Nada é só detalhe. Tudo soma.
Assim como existem inúmeros estilos de vinho, a música também é plural.
O que importa é o que faz sentido para você – que trilha sonora acompanha a sua taça?

Sobre Linha Editorial e a Carol Souzah
Carol Souzah é sommelière, jornalista e nova colunista do Muito Gourmet.
A sommelière abordará inovações no mundo dos vinhos, curiosidades, harmonizações, aspectos socioeconômicos, sustentabilidade, ética na produção e muitas dicas.
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