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Do dendê ao algoritmo: como a IA está mudando a cozinha baiana

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Entre a moqueca e os dados: a nova encruzilhada da gastronomia de Salvador

Hoje na cozinha baiana, de um lado, o cheiro inconfundível do dendê e o som da panela de barro borbulhando com a moqueca. Do outro, gráficos, dashboards e relatórios preditivos apontando tendências de consumo. A cena que parece improvável já começa a fazer parte da rotina de alguns restaurantes de Salvador. A tecnologia, especialmente a Inteligência Artificial (IA), está invadindo cozinhas e escritórios, e provocando uma discussão urgente: Até onde a tradição da cozinha baiana pode ou deve ser guiada por algoritmos?

Inteligência Artificial na cozinha baiana? Sim, e de formas bem distintas

Chef Ricardo Vallari, à frente do Cia do Sertão e do Proa Gastrôbar, enxerga a tecnologia com olhar crítico, mas também com abertura. “No caso do algoritmo das redes sociais, sim, há risco. Eles acabam apresentando só o que confirma o perfil de consumo da pessoa e isso limita as influências e a diversidade criativa”, aponta. Por outro lado, ele vê a IA como uma aliada quando bem direcionada: “Pode ser uma ferramenta poderosa até para o resgate de literaturas identitárias que não temos acesso.”

No Joca Mesa Bar, no Santo Antônio Além do Carmo, o chef Jota Moraes ainda mantém distância da IA nos processos criativos. “Sou saudosista. Cozinhar é gesto de amor, é humano. Isso não tem tecnologia”, diz, num tom quase poético. Ele admite, porém, que fora da cozinha, já está implementando sistemas de gestão com IA, capazes de gerar relatórios por comando de voz.

Já o chef e empresário Rafael Zacarias, da Bravo Burger & Beer e da Z Forneria, apresenta um olhar técnico e estratégico. “Passei a usar IA para estruturar treinamentos internos com fundamentos. Depois, para formatar modelos de negócios com base em cases pelo mundo. E mais recentemente, na padaria, venho usando para desenvolver produtos novos e melhorar processos e receitas.” Ele representa a geração que usa dados como alavanca de qualidade e expansão, sem perder a identidade do produto.

Tradição como bússola, tecnologia como ferramenta

Referência quando o assunto é cozinha baiana, a chef Tereza Paim, do Casa de Tereza, é direta: “Trabalho com o mesmo cardápio há 22 anos. Nosso lugar na Gastronomia é de preservar nossas tradições.” Mas ela também se apoia na tecnologia, desde que com discernimento. “Usamos IA para análise de dados de gestão e comunicação. IA é um facilitador, mas não deve ser muleta.”

Para ela, o futuro passa pelo equilíbrio. “Basta seguir respeitando nossas tradições, nossos sabores, saberes e fazeres com execuções cada dia mais aprimoradas. Tem mercado para tudo e para todos. E acredito que pagarão cada vez mais pelo que é artesanal, pelo que tem propósito.”

Um cliente que também está mudando

Ricardo Vallari observa que o paladar e o comportamento de consumo em Salvador estão em transformação. “Não só o paladar, mas o padrão de consumo. Vejo um movimento de resgate da experiência dos anos 90: serviço mais próximo, linguagem simples. A tendência dos botecos estrelados é um exemplo disso”, analisa.

No Proa e no Cia do Sertão, ele já sente os efeitos dessa nova leitura de mercado: “Tenho apostado em menos complexidade nas receitas e mais construção de sabor e padronização. O cliente que busca inovação e criatividade é uma parcela pequena. O foco tem sido alinhar expectativa e entrega.”

Entre o humano e o digital: o futuro à mesa

Perguntados sobre como imaginam o futuro da cozinha baiana, as respostas variam, mas seguem um fio comum: a tecnologia é inevitável, mas o coração da cozinha continua humano.

Para Tereza Paim, “Salvador vai seguir junto com o mundo, mas sempre preservando seu DNA cultural.” Ricardo Vallari projeta um cenário de mais eficiência operacional: “Vejo redução de trabalhos repetitivos, automatização de respostas no delivery, conversão de medidas de receitas… tudo isso pode ajudar a reduzir custos.”

Já Jota Moraes deixa uma imagem poderosa no ar: “Se um dia nosso acarajé ou o abará saírem de uma linha de produção automatizada, teremos perdido a primeira batalha da ‘guerra dos homens contra as máquinas’.”

E talvez seja justamente essa a síntese do momento: A cozinha baiana está pronta para abraçar o futuro, mas sem abrir mão do que a torna única: o sabor, a história e o afeto em cada prato.


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