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Vinhos submersos: o mistério encantador das garrafas que amadurecem no mar

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A coluna líquida de Carol Souzah revela como o oceano pode ser o novo terroir

Se há uma voz capaz de transformar os vinhos submersos em pura emoção, é a da colunista Carol Souzah. Com olhar sensível e linguagem poética, ela nos convida a mergulhar, literalmente, no universo dos vinhos que envelhecem no fundo do mar.

Em sua nova coluna para o Muito Gourmet, Carol percorre paisagens submersas, experimentações sensoriais e projetos brasileiros que unem vinho, natureza e propósito. Um texto que combina profundidade, beleza e uma pitada de sal.

A seguir, sua reflexão na íntegra sobre vinhos.


Vinhos submersos: quando o mar transforma o vinho

Há vinhos que dormem em silêncio. Outros se deixam embalar pelo vai e vem das águas. E eu adoro imaginar isso: garrafas repousando no fundo do oceano, envoltas por silêncio e mistério. Parece poesia, mas é real. A natureza, sempre tão generosa com o vinho, agora o acolhe também nas profundezas do mar.

E talvez seja isso que mais me fascina: perceber que até o vinho, assim como a gente, pode amadurecer de formas diferentes quando aprende a se entregar ao tempo e ao movimento.

Nos últimos anos, um novo capítulo vem sendo escrito na história do vinho: o envelhecimento submarino. Garrafas mergulham a dezenas de metros de profundidade, repousando sob a pressão, a escuridão e o movimento constante das águas. Ali, no fundo do mar, o vinho vive uma experiência sensorial que nenhum porão ou cave terrestre seria capaz de reproduzir.

A ausência de luz, a temperatura estável e o balanço suave das correntes criam um ambiente perfeito para uma evolução lenta e harmônica. O resultado são vinhos com aromas mais integrados, textura sedosa e uma mineralidade que parece contar segredos do oceano.

Produtores em regiões como Croácia, Chile, França e Espanha têm apostado nesse método — chamado “underwater aging” ou “vinhos oceânicos”. E também aqui no Brasil temos um exemplo apaixonante: a Vivente Vinhos, vinícola gaúcha dedicada aos vinhos naturais, lançou o projeto “Tempo no Mar” em parceria com o Projeto A.MAR.

A Vivente é uma das produtoras de vinhos naturais que mais admiro no Brasil. Muita gente que me acompanha e já passou pela Terroir certamente provou um vinho ou um Pet Nat deles — sempre cheios de identidade, frescor e alma.

No projeto, foram 53 garrafas magnum do espumante Chardonnay/Pinot 2020 submersas por um ano a cerca de 22 metros de profundidade na costa de Ilhabela. O transporte e resgate foram feitos de modo artesanal, com canoas, mergulho livre e o envolvimento da comunidade local — uma vinificação com corpo, alma e propósito.

Nesta semana, tive a oportunidade de participar de uma degustação com o espanhol Pablo Miranda Roger, da Bodega Réquiem (Ribera del Duero), e pude comprovar como o universo do vinho subaquático segue sinalizando caminhos ousados. A Réquiem, fundada em 2000, vem apostando no equilíbrio entre tradição e inovação.

Pablo, que também atua como consultor, exportador e figura estratégica na expansão da marca para o Brasil, tem uma visão sensível do vinho. Na ocasião, ele compartilhou comigo como, embora a filosofia de maturação da Réquiem tradicionalmente passe por afinamento em barricas de carvalho por 16 a 18 meses, ele e a equipe estão atentos às experimentações exploratórias, entre elas o envelhecimento submarino, como forma de expandir horizontes de aroma, textura e identidade.

O encontro me confirmou que não se trata apenas de uma tendência de marketing ou de curiosidade técnica: há verdadeira intenção artística e sensível por trás dessas iniciativas.

Mas você pode me perguntar: e o que acontece com um vinho quando ele passa meses, às vezes anos, submerso no mar? Ele muda. Ganha uma serenidade diferente. A temperatura constante, o silêncio, a ausência de luz e até a pressão das profundezas criam um microcosmo perfeito para o amadurecimento. O vinho respira de outro jeito, evolui com delicadeza, se torna mais redondo, mais integrado. Alguns enólogos falam até em toques salinos, uma leve brisa oceânica no copo. Pode parecer exagero, mas quem prova sente. Há algo vivo ali, algo que o tempo e o mar moldaram juntos.

Abrir uma dessas garrafas submersas é como abrir um pequeno mistério. O rótulo carrega sal, histórias e um arrepio de mar aberto. É vinho, mas também é mar. É experiência. É emoção líquida engarrafada.

Mais do que tendência, esses vinhos representam um gesto de reconexão. Em tempos de tecnologia e velocidade, mergulhar o vinho é convite à pausa e ao tempo natural das coisas.

No fundo do mar, o vinho respira outro tempo. Silêncio, sombra, sal e fé. Ouso dizer que é ali, sob os olhos cuidadosos de Yemanjá, que ele se transforma. E talvez seja isso que mais me encanta: perceber que até o vinho entende que, às vezes, é preciso se entregar ao mistério para se tornar algo maior. E o mar é esse mistério.

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Carol Souzah sommèliere e jornalista

Sobre Linha Editorial e a Carol Souzah

Carol Souzah é sommelière, jornalista e nova colunista do Muito Gourmet.

A sommelière abordará inovações no mundo dos vinhos, curiosidades, harmonizações, aspectos socioeconômicos, sustentabilidade, ética na produção e muitas dicas.


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