O que você verá na matéria
No Brasil exibida no streaming da Star+, a Série O Urso (The Bear) surpreende. Misturando um pouco de comédia, drama em um ambiente super realista e caótico de uma cozinha, a série tem como protagonista um jovem Chef, Carmen Berzatto.
O local, chamado The Beef, que fica no centro da cidade de americana de Chicago, é herdado pelo chef, que passa a tentar transformá-lo em um negócio viável e de sucesso.
A trama se desenvolve com os dramas que passam a ser vivenciados pelo jovem e talentoso chef que encontra uma equipe de funcionários dedicados, mas em um negócio em frangalhos.
Passando por temas como família, amizade e dificuldades profissionais, a série é envolvente e emocionante e toca em questões sensíveis, especialmente quando se trata do competitivo mercado de restaurantes.
Atenção: até aqui, você leu apenas uma sinopse da série O Urso.
A partir daqui, nosso texto trará fatos e informações bem detalhadas sobre as questões que envolvem a trama, seus personagens, acertos e desacertos.
Fica o aviso: se você ainda não viu a primeira temporada da série, recomendamos que pare por aqui e vá direto assistir a história emocionante.
Caso você já tenha visto ou não se importe com spoilers, continue lendo e desvende, junto conosco, alguns dos temas abordados pela série.
Um disclaimer importante antes da análise dá série
Como toda boa série, bom filme ou um bom livro, O Urso é uma obra múltipla que pode ser observada sob diversas camadas. Sob a perspectiva de alguém lidando com o luto pela perda de um ente querido, ou talvez de alguém que enfrenta um problema de um parente com drogas, ou sobre a união de um time no “campo de guerra”, a amizade ou pelo drama psicológico travado pelo protagonista. A série é realmente profunda em interpretações.
Se você é um aficionado pela série O Urso, nós entendemos tudo isso. Porém, neste artigo, vamos tentar priorizar o ângulo de um restaurante como um negócio: feito por pessoas e para pessoas, e, quais lições podemos tirar disso.
O que fazer quando um restaurante está à beira do abismo?
Uma das questões centrais da série é a penúria financeira pela qual passa o The Beef, que vende basicamente sanduíches de carne para a classe trabalhadora. O local está à beira da falência, seus clientes minguam e seus equipamentos parecem quebrar a todo instante.
Essa temática toca em pontos essenciais do ramo de restaurantes, cuja taxa de sucesso de empreendimentos é pequena. Aliás, o negócio de restaurantes é um dentre os mais arriscados que alguma pessoa pode pensar em investir, uma vez que apenas uma pequena parte consegue sobreviver aos 3 primeiros anos após a abertura.
Diante de toda essa situação, o que a série acaba por mostrar é a sucessão de desventuras que um novo Chef proprietário passa ao tentar reerguer o seu negócio, com estratégias que vão desde trabalhar incansavelmente até aceitar realizar despedidas de solteiro com stripers em seu salão principal, desafiando as regras mínimas de higiene.
O novo proprietário que chega parece percorrer todos os caminhos que normalmente se vê por aí na tentativa de salvar um restaurante, na vida real. Certamente se trata de uma boa demonstração sobre o que não fazer ao realizar essa tentativa.
Degenerados
Divorciados com problemas com a ex-mulher, imigrantes, desprovidos de beleza com habilidades de leitura de uma célula procarionte, falidos, descabelados e frustrados. Essa é a equipe encontrada no restaurante pelo novo e talentoso chef, outro degenerado e mentalmente perturbado, com olhos esbugalhados e insone.
Entretanto, contra todas as possibilidades, a cozinha do restaurante The Beef, caótica, suja e sem qualquer padrão de procedimentos, formada pela também improvável junção de pessoas marginalizadas meio que funciona, ainda que precariamente. No local, há uma anarquia nas ações de todos os seus cozinheiros.
O certo é que nada nessa cozinha indica um potencial de sucesso. O local parece fadado à uma rápida e vertiginosa descida ao fundo do poço se considerarmos apenas a união dos ingredientes de baixa qualidade encontrados. Surpreendentemente, o restaurante sobrevive, ainda que por apenas um fio, semana a semana, mês a mês. Qual seria o segredo?
Ao longo dos episódios da série O Urso, gradativamente, o que era uma equipe de degenerados, se mostra uma coesa “família” que trabalha em sintonia, movida pelo sentimento de conexão e pertencimento entre seus membros. Fica claro, ali, que todos aparecem para trabalhar dia a dia, apenas para não decepcionar uns aos outros. Há afeto, ligação entre eles, uma identificação mútua e uma sensação de que ali é o lugar deles no mundo, onde seus defeitos não interferem negativamente nas relações pessoais. Há, portanto, uma certa estabilidade entre os degenerados.
Essa estabilidade, entretanto, parece ter sido construída ao longo do tempo, ao longo do qual os vínculos foram se formando. Uma alta rotatividade de membros de uma cozinha impede a formação desses elos, dissolvendo a possibilidade da criação de um ingrediente fundamental para o sucesso: harmonia.
Esse é o ingrediente que dá a liga entre os degenerados membros de uma cozinha, o senso de coletividade e irmandade presente em toda a equipe, ingrediente essencial que mantém todos unidos e permite que a cozinha funcione e possa até mesmo evoluir. Sem isso, nada parece que seria possível.
A perfeição inspira
A chegada de um novo Chef, inicialmente, perturba a caótica atmosfera reinante. Carmen é, talentoso, obcecado, formado por prestigiosos estabelecimentos e recém saído do então melhor restaurante do mundo, aporta nessa cozinha com tendência ao aleatório e caótico.
Bem devagar, esse novo Chef, apenas usando a linguagem do fazer, ao invés do falar, arrasta, pelo exemplo, todos os demais para sua busca pela perfeição. O seu perfeccionismo encontra a inexatidão e essa colisão de realidades transforma a todos. Muito embora monossilábico e calado, o novo integrante da cozinha comunica muito mais do que o seu primo e colega de trabalho verborrágico e fanfarrão, o qual causa interferência nas relações, na verdade.
O ponto central aqui é que a busca pela perfeição em uma cozinha é um caminho a ser trilhado de uma forma árdua, dedicada e incansável. Entretanto, embora pareça difícil, não é impossível e pode ser acessado por qualquer um que se disponha a se dedicar com afinco, persistência e constância. Viver a cozinha é uma metáfora da vida, é sempre um partir, voltar e repartir.
O vórtice do caos, entretanto, ao mesmo tempo em que é influenciado pelo novo Chef também o influencia e transforma. Tragado por questões burocráticas e tensões familiares como resultado dos anos em que passou a se dedicar obsessivamente a buscar a perfeição, o Chef parece perfeito somente ao cozinhar, enquanto sua estabilidade mental beira o abismo e sua vida pessoal é desértica.
Não é difícil perceber que o perfeccionismo do Chef, leva mesmo à sua imperfeição em todos os demais domínios, de modo que ele precisa mais dos demais membros da cozinha, do que eles, de Carmen.
Brigada Francesa
Em um determinado momento, em uma reviravolta, a cozinha passa a ser organizada no modelo de brigada francesa, com tarefas bem definidas entre seus membros, padronização de atividades e rígida estrutura hierárquica. Um tremendo plot twist.
Será mesmo essa a melhor forma de organizar uma cozinha? Inicialmente, parece que sim, pois separando bem as tarefas de cada membro, o local passa a ser mais silencioso, menos anárquico e muito mais limpo e organizado.
De outro lado, as relações pessoais parecem se deteriorar pouco a pouco, uma vez que a rigidez e inflexibilidade vão minando o brilho das pessoas, e pior, diminuindo o espaço para a criatividade.
A pressão parece subir seu nível tal qual a temperatura de um caldo em redução, de forma lenta e gradativa, tornando as relações densas e, o pior, tensas. O resultado são várias explosões seguidas dos membros da equipe, espalhando molho quente para todos os lados.
Além disso, nessa busca por salvar o local, a tentativa de organização acaba por abafar o potencial criativo de cada membro da cozinha. Uma linha de produção de bengalas da União Soviética tem mais espaço criativo que uma cozinha organizada rigidamente à risca da brigada francesa. Ora, a imaginação precisa de espaço, a criação só nasce onde tem espaço para se desenvolver.
Hierarquia, rigidez, obediência e níveis de poder tornam a cozinha um local tão fértil para a criação de comida inspiradora quanto a cozinha de um exército. Uma cozinha, portanto, para lidar com algo tão poderoso quanto o alimento, que pode inspirar e emocionar, tem de ser algo diferente de uma tropa disposta a responder, sempre em alto e bom som, um “Sim, Chef”.
Caindo aos pedaços
Ao longo da série O Urso dá para perceber que o local tem uma apresentação deplorável. Sua fachada é cinza e tediosa. Os seus painéis de neon não combinam com absolutamente nada, ficou tudo parado no tempo.
O restaurante, desde o início, parece um lugar apenas para se alimentar e não para degustar um alimento de qualidade.
A decoração do local parece ter sido pensada para o desconforto dos seus visitantes, é a síntese de um lugar intragável, excessivamente iluminado e desconfortável.
Nada ali é acolhedor e não parece haver qualquer preocupação com isso. Desde o letreiro até a hostilidade do caixa do local, nada ali tem beleza. A classificação baixa pela Vigilância Sanitária exposta na entrada compõe o quadro desolador.
Essa é uma preocupação deixada completamente de lado pelo novo Chef, às voltas com questões mais urgentes, como fazer as pazes com o seu passado e superar um luto. O local é tão sombrio e monocromático como parece ser o humor do seu novo Chef.
Marketing desastroso
A primeira e única tentativa do Chef de realizar uma propaganda do local, em um jornal da cidade, resulta em uma confusão generalizada na porta do estabelecimento, provando que muita gente no mesmo local ao mesmo tempo não é sinônimo de sucesso, mas sim de fracasso.
Isso prova que um bom marketing de restaurante não é aquele que resulta em raivosos, aleatórios, acidentais e famintos clientes em uma fila na porta do estabelecimento. Os clientes que buscam os restaurantes não o fazem para perder a paciência, mas sim para viver uma boa experiência no local e voltam quando ficam marcados pela mesma.
Completamente desassistido no quesito marketing, o Chef, após a traumática derrota, abandona os planos de propaganda para o local. Entretanto, apesar de todos os demais esforços em outros quesitos, não vemos a clientela aumentar ou se tornar fiel ao longo dos episódios.
No quesito marketing, em mais uma reviravolta da série, um dia o local é visitado por um crítico de gastronomia que escreve uma nota sobre o local, comentando sobre um prato – que aliás, nem fazia parte do cardápio -, e o faz receber um recorde de pedidos online.
De fato, nos dias de hoje, um restaurante precisa muito mais do que promoções para se manter em alta, especialmente em tempos de redes sociais e com a busca por informações online.
Afinal, o que salva um restaurante?
Ao fim e ao cabo da primeira temporada da série O Urso, já dá pra ver que a receita para o sucesso de um restaurante é tal e qual a de um bom prato. É a combinação de ingredientes de qualidade, que se harmonizam entre si com a prática perfeita, com equilíbrio, criatividade e uma boa apresentação.
Enquanto isso, aguardamos ansiosamente pela segunda temporada que tem previsão de estreia para o segundo semestre – entre junho e setembro -, de 2023. Sim, chef!
- Leia também: Restaurante com fila: ir embora ou esperar?
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