Entramos no mês de junho e, com ele, chegam os festejos juninos e suas tradições e folclores que tanto amamos, não é mesmo?

O folclore gastronômico é uma manifestação cultural que une a riqueza dos sabores tradicionais às histórias e lendas que envolvem as festas populares. E o São João, que traz consigo uma profusão de delícias típicas e rituais encantadores.

Nesse contexto, o Professor Tibério Silva mergulhou nos festejos Juninos e nos trouxe a Capelinha de Melão, mencionada na cantiga “Acordai João”.

Esse singelo oratório de melão, decorado com cravos, pétalas de rosas e folhas perfumadas de manjericão, revela quão dinâmico é o folclore e as interpretações criativas dos participantes das festas juninas.

Vamos mergulhar nesse universo do Folclore Gastronômico, repleto de tradição e sabores. Acompanhe-nos nessa jornada culinária pelos encantos do São João.

O folclore gastronômico e a capelinha de melão do são joão
Capelinha de Melão – Imagem: Reprodução

Folclore Gastronômico e a Capelinha de Melão

Em Gastronomia, existe uma habilidade que recebe o nome importado de “food carving”, que é a arte de criar escultura em frutas e legumes com fins decorativos nas mesas de refeições e nas ilhas de iguarias, tão na moda nos eventos contemporâneos.

Aquele que for mais habilidoso, pode inspirar-se nos trabalhos japoneses em “mukimono” e igualmente cravar desenhos em frutas, verduras e legumes com resultados verdadeiramente artísticos.

Respeitando as devidas proporções, quem nunca se atreveu cortar um belo tomate em forma de cestinha ou fazer aquele quase extinto cisne na maça? Ou, agora, em meio as festas juninas devotar um tempo para esculpir uma Capelinha de Melão?

Nossa adorável edícula de melão amarelo valenciano começa a comparecer aqui e acolá nos arraiás juninos. Aliás em termos de Gastronomia, desconheço no Brasil um período festivo tão gulosamente saboroso quanto as Festas Juninas.

A festança desembarcou no Brasil colonial no século XVI.

E em terra brasilis as Festas Juninas ganharam nosso povo e nós retribuímos agregando uma imensa riqueza cultural, lendas, crendices, simpatias e culinária típica, valorizando ainda mais a força folclórica do evento.

E como folclore é dinâmico, vivo, mutável, mutante, continuamente em transformação, nós estamos tendo o privilégio de observar um destes dinamismos acontecendo neste instante na decoração das mesas juninas e nas replicações nas redes sociais.

Estou ainda falando da Capelinha de Melão. Aquela mesmo da cantiga do “acordai João”.

Capelinha de Melão é de São João

É de Cravo, é de Rosa, é de Manjericão

São João está dormindo

Não acorda, não!

Acordai, acordai, acordai, João!

Capelinha de Melão, Carlos Alberto Ferreira Braga

A cantiga é de autoria de Carlos Alberto Ferreira Braga, (1907/2006) nascido no Rio de Janeiro, cantor e compositor, foi um dos grandes nomes da música brasileira no século XX, autor de canções e marchinhas como “Chiquita Bacana” e “Yes, nós temos bananas”.

No domínio do povo, o folclore mutante e vivo vêm interpretando os versos de Braguinha quase como se fosse uma receita culinária.

O literalismo arrastou o São João para dentro de uma toquinha escavada em um melão, ornada de cravos (a especiaria) espetados na polpa macia da fruta que se equilibra em tapete de pétalas de rosas, folhas e flores perfumadas de manjericão.

A construção é até curiosa, quase lúdica, mas confesso que a agonia me envolve ao ver o santo enfiado dentro de uma fruta.

Esse singelo oratório de melão é justamente fruto da dinâmica do folclore, movimentado pelas interpretações e criatividade dos fiéis brincantes das festas juninas.

O entendimento literal dos versos da cantiga “Capelinha de Melão” colocou o Santo nesta situação. E olha que São João está no lucro: as simpatias e crendices das Festas Juninas colocaram seu companheiro Santo Antônio emborcado no copo d´agua.

Mas à luz de autores como Luís da Câmara Cascudo, historiador e folclorista é bom que se esclareça o real sentido da Capelinha de Melão.

Seguindo a tradição portuguesa, capela pode ser um ornamento de flores ou folhas e, portanto, capelinha seria uma pequena coroa usada pelas dançarinas dos festejos compondo a indumentária típica.

Essa tradição podemos ver ainda nos dias de hoje em forma de tiara ou diadema florido na cabeça das meninas.

Aquela coroazinha, ou melhor aquela capelinha, usaria as ramas e as flores do melão de São Caetano para fazer a estrutura do enfeite.

Também conhecido como melãozinho, esta planta é uma trepadeira que se ramifica por 5 metros ou mais e produz uma delicada flor amarela. Seus frutos são usados na medicina popular.

A capelinha de flor de melão, recebe ainda o cravo – a flor e não o cravo especiaria, que são coisas em estágios completamente diferentes.

Cravos brancos, vermelhos, amarelos, roxos, a variedade é grande; todos são bem-vindos.

A rosa e o manjericão dispensam apresentações e completam o acessório de cabeça das Festas Juninas.

Ficou claro então que a Capelinha de flor de melão é das festas de São João, é de rosas, é de cravos, é de manjericão.

Este é o sentido original da cantiga.

Não sei quem foi, nem quando foi, que surgiu a criativa ideia de trasmutar a capelinha de flores para uma capela, um oratório de melão.

O fato é que essa alegoria tem sido cada vez mais presente nas Festas Juninas contemporâneas e só o tempo dirá se ela será ou não incorporada ao folclore junino.

Enquanto isso, a imagem do Santo enclausurado no melão circula pelas redes sociais e páginas na internet como livre interpretação da Capelinha de Melão.

Por enquanto é um simpático e criativo equívoco. Vamos ver onde vai dar!

Bons folguedos. Divirtam-se!

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Professor Tibério Alfredo Silva

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