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Consumo com propósito: Beber menos, beber melhor

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Quando uma taça carrega alma, a experiência se transforma

Num cenário em que o consumo de vinho em volume vem diminuindo, um novo movimento ganha força entre enófilos e curiosos: o “consumo com propósito”. Mais do que seguir rótulos ou modismos, a escolha do vinho passou a ser um gesto de intenção, quase um ritual moderno que une memória, afeto e descoberta.

Nossa sommelière e colunista Carol Souzah mergulha nessa transformação que já é visível também em Salvador. Em seu olhar sensível e apaixonado, ela mostra como o vinho está deixando de ser apenas uma bebida para se tornar ponte entre histórias, pessoas e territórios. A seguir, reproduzimos na íntegra sua coluna, com pequenas correções para fluidez e clareza.

Consumo com propósito: Beber menos, beber melhor

O mundo do vinho vive um momento curioso. Se por um lado se fala em queda no consumo em volume, por outro cresce cada vez mais o desejo por vinhos que carregam verdade, identidade e alma. Chamo isso de consumo com propósito, mas, na prática, é simples: não é sobre beber mais, é sobre beber melhor.

Claro que não existe uma regra absoluta, mas percebo cada vez mais que o consumidor de hoje não busca apenas uma bebida alcoólica — ele busca uma experiência. Quando uma garrafa chega à mesa, ela precisa falar além do rótulo, precisa contar uma história que emocione. É uma uva rara que volta a ser cultivada, é a família que insiste em manter viva uma tradição geração após geração, é a vinícola que desafia o calor para produzir algo único, é o produtor que respeita o tempo da terra. Eu mesma, como sommelière, já percebi como os olhos das pessoas mudam quando conhecem a história por trás de um vinho.

Nesses momentos, ele deixa de ser apenas uma bebida na taça e passa a ter contexto, propósito e significado. O vinho se transforma em um ponto de conexão entre quem produz e quem consome.

Essa transformação não é sobre luxo, mas sobre o despertar da qualidade. Em vez de três garrafas banais, estamos à procura de uma única que emocione. Em vez da busca pelo preço mais baixo, cresce a busca pelo vinho que marque a noite, que se conecte à comida e ao momento, que faça sentido. É como escolher uma conversa boa em vez de muitas superficiais.

No Brasil, essa mudança já é perceptível. Aqui em Salvador, noto cada vez mais clientes chegando ao restaurante e escolhendo “um vinho com história”. Eles não querem apenas saber se é argentino ou português; querem entender a origem, quem está por trás da produção e o que torna aquele rótulo especial. Quando essa resposta vem acompanhada de clareza e entusiasmo, a experiência do cliente ganha outra dimensão e o serviço se torna muito mais marcante.

Como consultora de vinhos, vejo essa tendência como uma grande oportunidade para bares e restaurantes. Não se trata de montar uma carta extensa e cheia de rótulos que acabam parados, mas de selecionar com critério aqueles que, quando bem apresentados, praticamente se vendem sozinhos. São vinhos que garantem margem saudável e, ao mesmo tempo, criam fidelidade. O cliente pode até consumir menos, mas retorna, porque percebeu que a experiência valeu a pena.

Acredito que o futuro do vinho não está na quantidade, mas no valor. Um valor que vai além do preço, que se traduz em experiências, em memórias guardadas e em histórias que começam a cada taça. No fim das contas, o que buscamos é encontrar, cada vez mais, vinhos com alma.


🍷 Dicas da Sommelière

Se tem algo que adoro é dividir achados que mostram como o vinho vai muito além do rótulo. Cada um deles carrega uma narrativa própria, capaz de surpreender quem se permite sair do óbvio. Aqui vão algumas indicações para se aventurar em taças diferentes:

Aquí Estamos Todos Locos, uva Bequignol – Argentina
Projeto autoral de um jovem enólogo que vem despontando na Argentina. De uma uva rara e pouco conhecida, esse tinto leve e vibrante traz a energia de quem quer brindar sem pressa. Uma descoberta deliciosa para quem gosta de sair do óbvio e explorar novas variedades.

Livvéra Malvasia – Argentina
Uma rara expressão da uva Malvasia em solo argentino, elaborada por Germán Masera, da Escala Humana Wines. Ele é conhecido por resgatar vinhas antigas e valorizar variedades esquecidas, sempre com mínima intervenção. O resultado é um vinho laranja aromático, delicado e cheio de personalidade — prova de como produtores inquietos conseguem dar nova vida ao que parecia esquecido.

Baby Bandito – África do Sul
Criado pelo irreverente Craig Hawkins, é um vinho branco de maceração feito de Chenin Blanc, uva símbolo do país. Traz frescor, energia e notas de frutas brancas, com acidez vibrante e textura envolvente. Mostra o lado mais leve e acessível da Chenin, sem perder autenticidade. O rótulo também leva frases inspiradas em grafites de protesto, conectando o vinho a uma narrativa cultural e política.

consumo com proposito 2
”É como escolher uma conversa boa em vez de muitas superficiais.”

Carol Souzah sommèliere e jornalista

Sobre Linha Editorial e a Carol Souzah

Carol Souzah é sommelière, jornalista e nova colunista do Muito Gourmet.

A sommelière abordará inovações no mundo dos vinhos, curiosidades, harmonizações, aspectos socioeconômicos, sustentabilidade, ética na produção e muitas dicas.


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