Gastronomia é arte? Uma questão que provoca debates e reflexões entre entusiastas da culinária e estudiosos do assunto.

O nosso colunista e professor de Gastronomia e Hotelaria, Tibério Alfredo Silva, lança-se nesse universo de sabores e sensações para discutir se a gastronomia pode ser considerada uma forma de expressão artística.

Gastronomia é Arte?
Vincent Van Gogh – Natureza-Morta com Prato de Cebolas (1889) – Reprodução

Em seu mais recente artigo para o Muito Gourmet, o professor mergulha nas argumentações tanto dos defensores quanto dos críticos dessa ideia, explorando os limites entre a arte e a gastronomia, desafiando a visão convencional e propondo uma análise sobre a relação entre a culinária e a expressão artística.

Prepare-se para uma viagem intelectual, na qual os paladares se misturam com as nuances da criatividade e da estética culinária, em busca de uma resposta para a pergunta:

Gastronomia é arte?

Alguns temas em Gastronomia são bem curiosos e divertidos para uma boa conversa: discutir se o feijão vai por cima ou por baixo do arroz; polemizar sobre onde começar a comer uma coxinha; pizza com ou sem ketchup? Cachorro-quente com ou sem purê de batata? Bolacha ou biscoito? E a definição de “cozinha exótica”, são exemplos de assuntos que se tornam divertidos porque o debate sempre “nos leva a lugar nenhum”, passa longe de um consenso.

Nos mesmos moldes, a discussão sobre a Gastronomia ser arte ou não, torna-se igualmente divertida ao mesmo tempo que constrói interessantes reflexões.

As argumentações tanto de quem defende o viés artístico da Gastronomia quanto aqueles contrários a esse entendimento, são robustas, coerentes e encontram uma dialética fácil considerando a régua rasa que senso comum tem tratado a Arte nos nossos dias.

Então vamos lá: Gastronomia é Arte?

De cara a pergunta já cria problemas porque a palavra Gastronomia está tão exaurida, recebendo tantas interpretações que se confunde com culinária ou com qualquer tipo de comida.

Gastronomia virou palavrinha fácil em qualquer contexto da alimentação, está sofrendo o mesmo desgaste que o “gourmet”, a “cozinha afetiva” e o “confort food” – expressões já cansadas no cenário gastronômico. 

Mas vamos deixar claro o seguinte:

Gastronomia é, na área do conhecimento, uma Ciência Social Aplicada. É o estudo do comportamento da sociedade frente a alimentação. Qualquer consulta rápida no catálogo de cursos do MEC valida estas informações.

Entendemos também que uma elaboração culinária é um dos produtos materializado pela Gastronomia; este sim, ao meu ver, reúne informações objetivas e subjetivas para pleitear a atenção do mundo das Artes.

Assim, a Gastronomia enquanto Ciência não se encaixaria no conceito de Arte, mas alguns dos seus resultados práticos poderiam ser defendidos como expressão artística.

Os defensores da Gastronomia como Arte e os cozinheiros como artistas, ao entenderem que a comida estimula os cinco sentidos, identificam traços culturais e reflexos de comportamentos sociais, são pragmáticos ao afirmar que SIM, comida seria Arte e por extensão gastronomia seria uma expressão artística.

Para estes, a arte gastronômica é sensorial e estética e o fato de ser efêmera por ser consumível e replicável infinitas vezes não inviabiliza o viés artístico da obra.

Dessa forma, se Arte é a comunicação entre artista e espectador (no nosso caso entre o cozinheiro e o comensal), a gastronomia fala às sensações do paladar através de uma história contada pelas mãos do artista da cozinha.

Mas isso não quer dizer, de maneira alguma, que cada vez que entramos em um restaurante self-service estaríamos ingressando em uma galeria de arte comestível.

E girando o espeto da polêmica. Gastronomia não seria Arte porque embora seja sensorial, o alimento não leva o espectador à reflexão e induz a qualquer inquietação filosófica.

O alimento é produzido com o único objetivo de agradar e na maioria das vezes tão somente a função de fornecer nutrientes ao corpo.

Outro argumento que enfraquece o alimento como Arte é a embaçada identificação da propriedade intelectual da receita. Se é Arte, quem é o artista? Quem é a mente criativa responsável pela pleiteada obra de arte. Haja vista que replicar uma receita não faz do cozinheiro o artista criador.

Ainda que se destaque as raras cozinhas autorais, não se consegue claramente registrar a propriedade intelectual de um prato, tal como acontece com as demais Artes consagradas.

Outra característica das Artes, que a gastronomia não contempla é a universalidade, ou seja, a sua apropriação em qualquer tempo ou espaço. Porque ainda que considerássemos Arte, seria uma produção artística arte restrita aos poucos privilegiados que viessem prová-la dando sentindo então ao argumento sensorial do alimento.

Neste sentido se Gastronomia fosse uma expressão artística, seria uma obra de arte que precisaria ser destruída para ser entendida. A mais profunda contemplação de um prato não faz dele uma obra artística, faltaria a argumentação fundamental: o gosto e sabores.

Assim, argumenta-se que um empratamento magnífico, impactante, criativo está bem próximo das Artes Plásticas, mas Gastronomia não se resume à dimensão visual.

Viu como é divertido e complexo? Ficamos dando voltas argumentativas e a dúvida permanece: Gastronomia é Arte?

Eu tenho minha opinião:

Entendo que a Gastronomia por si só não deva ser considerada Arte porque o objeto dela não pretende ser artístico.

Entretanto a prática culinária, recorte da Gastronomia, possibilita que mentes criativas, ao planejar um prato com o propósito de atiçar o paladar, excitar o senso estético e incitar a reflexão, entregaria uma obra provocativa suscetível de ser Arte. Para concluir, usando do meu “mineirês”: um prato arredado deste contexto provocativo é apenas um trem de comer em cima do prato.

Professor Tibério Alfredo Silva

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